Eu amo a luta e abrigo a paz no coração.
Meu credo é feito d’alma e feito de perdão.
Vivo de bênção. Como a flor vive da luz,
Pregando na montanha, assim como Jesus,
As delícias do amor e a paz universal.
Baionetas para quê? Se a baioneta é igual
À face do assassino! Em vez d’homens de guerra,
Camponeses lavrando e semeando av terra…
Que eu não amo o que mata ao meio d’uma rua,
Mas o que cria um filho ou guia uma charrua,
E, embora admire e louve essa mulher que foi
Ao meio de *aris executar um herói,
Muito mais louvo e quero essa mulher d’aldeia
Que vai à fonte, acende o lume e faz a ceia
E abre o seu peito, dando a um filho de mamar.
Corday é uma tormenta, a camponesa um lar.
Criar – eis o preceito; amar – eis o dever.
O nosso peito abri-lo a todo o que o quiser:
Aos que são cegos, luz; aos que têm fome, pão.
Por isso é que abrigo a paz no coração
II
Há quantos sóis, porém, vou eu rindo e cantando
Após o grande ideal que eu não sei como ou quando
Há-de tornar feliz a vida no universo…
Ai, quando sonho, ai, quanto amor, no olvido imerso,
Fui deixando através do mundo, em ódio armado,
Onde tu, povo, és sempre o algoz e o condenado.
Quando eu parti brilhava o astro na amplidão.
E olhei a vida…Em roda, o luto e a escuridão
Envolviam-se como um manto de terror.
E lá no fundo, obscuro, exausto, o cavador
Bradado inutilmente! Ó vida dolorosa,
Quanta vez ao cair da noite silenciosa,
Ao lento fumegar dos colmos no povoado
Ouvia claramente o grito estrangulado
Do que tem fome e frio e não tem lar nem pão.
E eu, perdido na noite, aguçava o bordão
Nas pedras do caminho à falta de uma espada.
E do mundo através a rígida nortada,
Fui vendo a mesma dor, odiando o mesmo crime.
Quando eu julgava achar o braço que redime,
O povo unido, o peito aberto e sem couraça,
Como um raio de luz num furacão que passa,
Como um grito d’amor na boca de Danton,
Só via mortos! Nem um brado, nem um som!
Vendo-me, pois, na luta homérica sozinho,
Encostei o meu corpo à beira do caminho,
À espera que passasse alguém pelas estradas.
Chamei, chamei em vão. As mãos ensanguentadas,
Ninguém as viu, ninguém parou, olhando. Então,
Ó povo, é que eu chorei tuas longas agonias,
Tal como antigamente o velho Jeremias
As do povo de Deus nos muros de Sião!
Mas foi assim, bradando aos céus, rugindo e amando,
Roto e faminto, o olhar em pranto e a barba hirsuta,
Que eu me tornei rebelde, agora só confiando
No bem que vier da dor, na paz que vier da luta
Tomás da Fonseca, in Os Deserdados