domingo, 11 de fevereiro de 2024

Poesia de Tomás da Fonseca


Eu amo a luta e abrigo a paz no coração.

Meu credo é feito d’alma e feito de perdão.

Vivo de bênção. Como a flor vive da luz,

Pregando na montanha, assim como Jesus,

As delícias do amor e a paz universal.

Baionetas para quê? Se a baioneta é igual

À face do assassino! Em vez d’homens de guerra,

Camponeses lavrando e semeando av terra…

Que eu não amo o que mata ao meio d’uma rua,

Mas o que cria um filho ou guia uma charrua,

E, embora admire e louve essa mulher que foi

Ao meio de *aris executar um herói,

Muito mais louvo e quero essa mulher d’aldeia

Que vai à fonte, acende o lume e faz a ceia

E abre o seu peito, dando a um filho de mamar.

Corday é uma tormenta, a camponesa um lar.

Criar – eis o preceito; amar – eis o dever.

O nosso peito abri-lo a todo o que o quiser:

Aos que são cegos, luz; aos que têm fome, pão.

Por isso é que abrigo a paz no coração

II

Há quantos sóis, porém, vou eu rindo e cantando

Após o grande ideal que eu não sei como ou quando

Há-de tornar feliz a vida no universo…

Ai, quando sonho, ai, quanto amor, no olvido imerso,

Fui deixando através do mundo, em ódio armado,

Onde tu, povo, és sempre o algoz e o condenado.

Quando eu parti brilhava o astro na amplidão.

E olhei a vida…Em roda, o luto e a escuridão

Envolviam-se como um manto de terror.

E lá no fundo, obscuro, exausto, o cavador

Bradado inutilmente! Ó vida dolorosa,

Quanta vez ao cair da noite silenciosa,

Ao lento fumegar dos colmos no povoado

Ouvia claramente o grito estrangulado

Do que tem fome e frio e não tem lar nem pão.

E eu, perdido na noite, aguçava o bordão

Nas pedras do caminho à falta de uma espada.

E do mundo através a rígida nortada,

Fui vendo a mesma dor, odiando o mesmo crime.

Quando eu julgava achar o braço que redime,

O povo unido, o peito aberto e sem couraça,

Como um raio de luz num furacão que passa,

Como um grito d’amor na boca de Danton,

Só via mortos!  Nem um brado, nem um som!

Vendo-me, pois, na luta homérica sozinho,

Encostei o meu corpo à beira do caminho,

À espera que passasse alguém pelas estradas.

Chamei, chamei em vão. As mãos ensanguentadas,

Ninguém as viu, ninguém parou, olhando. Então,

Ó povo, é que eu chorei tuas longas agonias,

Tal como antigamente o velho Jeremias

As do povo de Deus nos muros de Sião!

Mas foi assim, bradando aos céus, rugindo e amando,

Roto e faminto, o olhar em pranto e a barba hirsuta,

Que eu me tornei rebelde, agora só confiando

No bem que vier da dor, na paz que vier da luta


Tomás da Fonseca, in Os Deserdados