domingo, 11 de fevereiro de 2024

Teologia do Mercado - por Adriano Moreira

 «…as Faculdades de Humanidades são secundarizadas pela teologia de mercado e orçamento para que tendem os governos neoliberais repressivos…»

Adriano Moreira

Nota: nunca pensei ser necessário citar o professor  Adriano Moreira, mas nos tempos que correm até  o  democrata-cristão Adriano Moreira se opõe à loucura dos governos neo-liberais e da economia-casino em que se converteu a globalização capitalista. 


Os limites éticos

Um dos factos que marcam a nossa época, que já foi chamada do "mundo sem bússola", é que, ao mesmo tempo que as Faculdades de Humanidades são secundarizadas pela teologia de mercado e orçamento para que tendem os governos neoliberais repressivos, a ALLEA - All European Academies, considerou há anos urgente iniciar uma investigação conjunta em busca dos "Communes Values in The European Research Area", que resultou num livro editado pela Royal Netherlands Academy of Arts and Sciences. O tema foi intitulado "European Scientists and Scholars Meeting Their Responsability".


A principal conclusão, que torna insegura a busca de um paradigma global, a cuja investigação entregou a vida o padre Kung, e a que se dedica a UNESCO, foi o reconhecimento da "multiplicidade de convicções morais e posições éticas na Europa no que toca à variedade de essenciais problemas sociopolíticos que estamos a enfrentar".


A questão agrava-se quando assumimos que nesta data é o globalismo, e não apenas o europeísmo, que nos desafia, com todas as áreas culturais do mundo falando à comunidade internacional em liberdade, pela primeira vez na história.


De qualquer modo, um dos temas salientes, relatado por Henk T. Have, diretor da Division of Ethics of Science and Technology at UNESCO, intitulado "Ethics and Politics", teve sobretudo em vista as "implicações éticas da ciência e da técnica contemporâneas".


Talvez a compreensão do tema seja ajudada, tendo presente o seguinte: que os avanços técnicos e científicos foram usados para incitar e justificar a opressão e o assassínio designadamente na Alemanha de Hitler, no Camboja de Pol Pot e no Ruanda de Kambanda.


As virtudes do modelo ocidental, todas assentes no discurso de Péricles, pronunciado na qualidade de estratego de Atenas à beira do túmulo de um soldado, não se encontram em todos os regimes que recolhem a designação de democracia, segundo o modelo da ONU. Mas posto de lado o recurso frequente do Estado-espetáculo à semântica, a divisão de poderes é uma cautela contra as derivações políticas na chamada época dos povos.


Para enfrentar o autoritarismo, e outras dificuldades, a questão é que dificilmente se encontra uma fórmula de resposta à questão de saber quem guarda os guardas, e, apenas como ligeiro exemplo, a atual conflitualidade do Executivo português com o Tribunal Constitucional pode servir de meditação, esperando-se que fique por essa utilidade.


A base segura é hoje a idoneidade da aquisição do poder pelo consentimento dos povos, embora acompanhada frequentemente pelo Estado--espetáculo que veio por vezes agravar, quando se esperava que fortalecesse, a questão dos guardas dos guardas. Tem um dos seus maiores obstáculos no facto de o globalismo ser uma realidade de estrutura ainda mal conhecida, de todas as áreas culturais falarem em liberdade, o que não permitiu ainda tornar o diálogo consistente, e, consequência sobretudo ocidental, por ser crescentemente duvidoso se o Estado que conhecemos não foi ultrapassado como instrumento de governo. Sabemos, pelo menos, que cerca de metade dos Estados existentes não têm sequer capacidade para enfrentar os desafios da natureza, em parte potenciados pelos avanços da ciência e da técnica sem limitações éticas estabelecidas. E exige atenção o facto de as humanidades estarem a ser secundarizadas pelos sistemas oficiais de ensino, e certamente esta inquietação será incluída naquilo que foi chamado a quarta dimensão da universidade. Mas é crescentemente evidente e preocupante que as dificuldades financeiras do sistema universitário não sejam apenas originadas pela crise financeira dos Estados, mas sobretudo pelo esquecimento de que se trata de uma componente da soberania e não de uma área do mercado. Na longa história do ensino superior português não é útil incluir um precedente que esqueça o facto.


Fonte: AQUI