Em 1934, uma “Frente Única” formada pela CGT (anarquista), CIS (comunista), FAO (socialista) e pelos Sindicatos autónomos –, e com apoio do Partido Comunista -, desencadeou a “greve geral revolucionária”, que saiu à rua às 3 horas da manhã do dia 18 de janeiro. Na origem está, especialmente, a luta contra a “fascização dos sindicatos”, para além de reivindicações económicas.
Porém, discordâncias quanto à estratégia e dificuldades materiais de vária ordem, foram atrasando o desencadear da greve, que esteve marcada para 8 e 9 de janeiro.
Este arrastamento da preparação foi decapitando o movimento. Mário Castelhano, líder dos anarquistas, é preso em 14 de janeiro e, ENTRE 11 e 17 de JANEIRO, FORAM APREENDIDAS BOMBAS E PRESOS TODOS OS IMPLICADOS DO COMITÉ SINDICAL DE SETÚBAL.
A Greve teve especial relevância em Coimbra, Marinha Grande, Leiria e em Lisboa, na Outra Banda (Seixal, Barreiro, Almada) e entre os corticeiros de Silves.
A partir das primeiras horas de dia 18, sucederam-se cortes de linhas de telégrafo e telefone e sabotagens de meios de comunicação. A mais marcante ocorreu na Póvoa de Sta. Iria: um comboio de mercadorias descarrila e vê destruídas 23 das suas 52 carruagens.
Os defensores do “sindicalismo livre” são severamente castigados: despedidos das empresas, presos e deportados. Uma das colónias mais numerosas do Campo de Concentração do Tarrafal é composta por sindicalistas do “18 de Janeiro”
ANEXO: Resumo do processo da PVDE 20/934, de José Bernardo (ou “José dos Cabritos”) e outros (catorze)
Este processo decorreu entre 11 de janeiro de 1934 e 10 de outubro do mesmo ano, embora ainda tivesse havido lugar a recurso de um dos réus, cujo indeferimento foi dado a conhecer no mês seguinte, a 7 de novembro.
Os dois principais arguidos, José Bernardo e António Augusto Quaresma, eram soldadores da indústria conserveira e lideravam, com Augusto Reis “Grelheiro” e Jaime Rebelo, todos anarco-sindicalistas, o “Comité Grevista Revolucionário de Setúbal”.
Os quinze elementos começaram a ser capturados a 11 de janeiro; no entanto, alguns conseguiram pôr-se em fuga, tendo sido presos ao longo dos anos de 1936 e 1937, depois de sucessivos mandados de captura falhados, pelo que o julgamento de Augusto Reis “Grelheiro”, Bernardino Augusto Xavier, Manuel da Graça e Jorge da Silva se desenrolou à revelia.
Na sua fase inicial, o processo foi organizado pela Secção de Investigação do Comando da Polícia de Segurança Pública de Setúbal, tendo depois transitado para a PVDE antes de ser presente a julgamento no Tribunal Militar Especial de Lisboa. As primeiras investigações da polícia ocorreram depois do lançamento de uma bomba de dinamite, muito potente, no sítio do Moinho Novo, em Setúbal, a 7 de janeiro de 1934, ao mesmo tempo que eram lançados manifestos revolucionários em várias ruas da cidade. Na sequência destes acontecimentos, a PSP prendeu para investigações José Bernardo e António Augusto Quaresma, na base da presunção de que a bomba só poderia ter sido “lançada por elementos perturbadores e perigosos [à atual] situação política, por desafetos à mesma” – nas alegações da polícia.
António Augusto Quaresma foi capturado por haver suspeitas de ter sido o lançador da bomba, “tanto mais que era tido por perigoso comunista”. Nas inquirições policiais declarou-se anarquista, mas negou, num primeiro auto de perguntas, o lançamento da bomba. Nas suas habituais reuniões num café da Praça do Bocage, com Jaime Rebelo e outros, apenas tinham tratado da “crise de trabalho e do próximo defeso da pesca da sardinha”. De seguida é ouvido José Bernardo e surgem as primeiras incongruências nas declarações dos dois anarquistas. A polícia promove a acareação de ambos e, três dias depois, a 14 de janeiro, os dois conserveiros viam-se obrigados a confessar. Denunciam Augusto Reis Grelheiro, operário da fábrica “Algarve Exportadora” de ser detentor das bombas e Jorge Alves Raposo, um ferroviário do Barreiro, de ser o seu transportador a partir daquela vila – onde tinham sido confecionadas -, para Setúbal, ao longo do anterior mês de dezembro.
Nesse mesmo dia, em auto de busca e apreensão, foram apreendidas 59 bombas de choque, “de grande potência”, na casa de Augusto Grelheiro que, entretanto, se pusera em fuga. Apertado pela polícia, José Bernardo confessou que as bombas se destinavam a “um próximo movimento revolucionário de carácter comunista, com ligações aos partidos políticos”. Tudo tinha sido combinado depois “do encerramento do sindicato de que todos faziam parte”.
Animados pelas declarações, os agentes completaram o cerco: em casa de Isaías dos Santos Costa, sogro de Augusto Grelheiro, encontraram um caixa com livros e muitos panfletos. Um dos livros, “Os Organismos de Transportes na Revolução Social”, é da autoria de Mário Castelhano, um dos mais destacados líderes anarco-sindicalistas. O filho de Isaías, Carlos Santos Costa, declarou, por seu lado, que as bombas na posse do cunhado se destinavam a “atentados pessoais, contra autoridades sociais e outras pessoas de destaque na sociedade”.
No entanto, não restam dúvidas das intenções revolucionárias do Comité de Setúbal: o corpo de delito não permite outra conclusão e os dois manifestos recolhidos pela polícia não deixam margens para dúvidas. O primeiro, mais doutrinário, era dirigido aos “Trabalhadores de Portugal! Operários anarquistas, comunistas, sindicalistas e sem partido!”. Assinavam-no a Confederação Geral do Trabalho, a Federação das Associações Operárias, a Comissão Inter-Sindical e o Comité das Organizações Operárias Autónomas. O segundo, em forma de panfleto, era assinado pelo “Comité Local de Setúbal da Luta Antifascista”. Denunciavam ambos a “fascização dos sindicatos”, a aflitiva crise de trabalho e a fome e apelavam à greve revolucionária.
A 17 de Janeiro, uma semana depois das primeiras prisões, o Chefe de Investigação da PSP de Setúbal produzia o seu relatório: confirmava a culpa de todos os capturados e avisava o seu Comandante de que estaria “para eclodir um movimento revolucionário de carácter comunista, com actos atentatórios a altas personalidades da situação política”.
Não se enganava. Um dia depois, ocorria o “18 de janeiro de 1934” na Marinha Grande e em toda a Grande Lisboa e Margem Sul. O “Comité de Setúbal” – ou uma parte importante dele -, tinha sido desmantelado nessa semana que antecedeu o movimento revolucionário. Alguns dos últimos implicados foram ainda presos no Parque do Bonfim, na noite de 17 de janeiro, quando se preparavam para a ação, em reunião clandestina.
A mão do Tribunal Militar Especial seria aqui pesada e implacável – ao contrário do que aconteceu noutros processos de implicados em “manejos revolucionários”. Os designados “presos sociais” foram sempre mais pesadamente penalizados do que os “políticos”. Augusto Grelheiro, detentor das bombas, foi condenado a 10 anos de degredo nas colónias e à multa pesadíssima de 20 mil escudos. António Augusto Quaresma, capturado em 11 de janeiro de 1934, foi solto em Angra do Heroísmo, em 26 de Setembro de 1938, local para onde tinha sido desterrado. Havia sido condenado à pena de desterro por três anos, à multa de seis mil escudos e à perda de direitos políticos por dez anos. José Bernardo, sujeito a pena semelhante, foi igualmente libertado em agosto de 1938. Bernardino Augusto Xavier, do Barreiro, só seria solto em junho de 1941. Capturado em julho de 1934, fora condenado a três anos de desterro para “local à escolha do Governo”, à multa de seis mil escudos e à perda de direitos políticos por dez anos. Dos restantes réus, dois seriam absolvidos, seis libertados nos meses seguintes (anos de 1934 e 1935) e outros quatro condenados a penas correcionais de oito a dezoito meses, depois de descontado o tempo de prisão entretanto sofrida, à perda de direitos políticos por períodos de cinco a dez anos e igualmente a penas pecuniárias.
Como noutros processos julgados no Tribunal Militar Especial, pouco foi acrescentado pelo promotor, o major António Pais de Andrade Baeta, aos autos promovidos pela polícia. O processo foi rececionado pelo Presidente em 26 de janeiro e enviado ao promotor que decidiu enviá-lo ao juiz auditor para completar as investigações. Estas desenrolam-se durante o mês de março, a cargo do oficial investigador do Tribunal, tenente Mariano Moreira Lopes. Constam de um exame pericial ao corpo de delito, composto por 61 bombas, uma pistola FN e vinte e oito balas e ainda de um “auto de investigações” em que são ouvidos o Chefe e Ajudante de esquadra que assistiram às declarações dos presos, em Setúbal. Em 23 de Março, o Promotor dava-se por satisfeito com as investigações e “promovia” que os indivíduos fossem submetidos a julgamento”. Entre as primeiras declarações dos réus e as declarações dos agentes da PSP de Setúbal no TMEL não foram encontradas contradições substanciais, pelo que o “auto de declarações” constituía o “auto de delito”. Dois meses depois, a 17 de maio, o juiz auditor, Gilberto de Beça Aragão, confirmava as notas de culpa, decidia sobre os mandados de captura aos fugidos e propunha a liberdade para alguns dos presos.
Nas prisões da Trafaria e do Aljube, os réus foram recebendo as suas acusações a 25 de maio. O julgamento ainda esperaria a marcação por mais algum tempo, por impossibilidade de captura de alguns réus, entretanto fugidos para Espanha, segundo declaração do próprio tribunal. Mesmo as libertações ocorrem de forma lenta: Álvaro Pinto Teixeira foi solto da prisão do Limoeiro em 18 de agosto. O julgamento só viria a ocorrer em 10 de outubro.
Durante os meses que antecederam o julgamento, os reclusos foram fazendo chegar ao tribunal as relações de testemunhas, algumas contestações, bem como declarações de indivíduos ou firmas em que trabalharam, para seu abono. Ao mesmo tempo constituíam a sua defesa. Além do defensor oficioso, capitão Amândio Machado, os presos puderam escolher livremente três advogados – Domingos Monteiro, Carlos Homem de Sá e Adão e Silva. No entanto, pouco poderiam ter esperado da defesa – as declarações à polícia haviam sido recolhidas sem a sua assistência, o Tribunal tinha dado os factos apurados como provados e os dois recursos interpostos ao Supremo seriam indeferidos. Quanto às testemunhas de defesa apresentadas pelos réus, elas seriam ouvidas durante a audiência, mas sem capacidade que não fosse a de constituírem testemunhos abonatórios dos réus. À frente do Tribunal estavam dois dos juízes que mais julgamentos realizaram no TMEL, o coronel Adriano da Costa Macedo e o tenente-coronel Fernando Luís Mouzinho de Albuquerque.
Texto de Luís Manuel Farinha