quinta-feira, 29 de agosto de 2013

15 paradoxos deste mundo

(por Eduardo Galeano)


«Há no mundo esfomeados e obesos. Os esfomeados alimentam-se de lixo nas lixeiras enquanto os obesos alimentam-se de lixo nos McDonalds»


1. Metade dos brasileiros é pobre ou muito pobre, mas o Brasil é também o segundo mercado mundial das canetas Montblanc, o país que está em nono lugar nas compras dos automóveis Ferrari, e em que as boutiques Armani de S.Paulo vendem mais que as de New York

2. Pinochet, o carrasco que matou o presidente socialista do Chile, presta homenagem à sua vítima cada vez que se refere ao «milagre chileno». Com efeito, ele nunca confessou, nem sequer os governos que lhe sucederam, que um tal «milagre» se deve ao cobre, a peça-mestra da economia chilena, que Allende nacionalizou e que até á data nunca mais foi privatizada.

3. Os nossos índios nasceram na América e não na Índia, tal como, de resto, a dormideira. O milho também nasceu na América e não na Turquia.Porém, a língua inglesa chama «turkey» à dormideira e os italianos chamam «granturco» ao milho.

4. O Banco Mundial cobriu de elogios a privatização da saúde publica na Zâmbia: «Trata-se de um modelo para a África. Agora não há filas de espera nos hospitais». O jornal The Zambian Post completou a ideia: «Agora não há filas de espera nos hospitais porque as pessoas passaram a morrer em casa»

5. Há quatro anos o jornalista Richard Swift foi aos campos do oeste do Ghana onde se produz cacau barato que é vendido para a Suiça. Na sua mochila, o jornalista tinha barras de chocolate. Os agricultores de cacau nunca tinham provado chocolate, e quando o saborearam ficaram encantados.

6. Os países ricos, que subsidiam a sua agricultura a um ritmo de 1 bilião de dólares por dia, proíbem no entanto os subsídios agrícolas aos países pobres.

7. Colheita record nas margens do Mississipi: o algodão norte-americano inunda o mercado e provoca a descida generalizado dos preços.
Colheita record nas margens do Níger: o algodão africano é de tal forma pouco rentável que nem vale a pena ser colhido.

As vacas do países do hemisfério norte ganham duas vezes mais que os agricultores do hemisfério sul. O montante de subsídios para cada vaca na Europa e nos EUA é duas vezes superior à soma de dinheiro que um agricultor dos países pobres ganha ao longo de um ano de trabalho.
Os produtores do sul estão desunidos face ao mercado mundial, ao passo que os compradores do norte impõem preços monopolistas. Desde o desaparecimento da Organização Internacional do Café em 1989, e com ela o sistema de quotas de produção, o preço do café caiu a pique. Na América Central, inclusivamente, quem quer que semeie café recolhe invariavelmente a fome. No entanto, não consta que, quem quer que beba café, tenha pago menos por isso.

8. Carlos Magno, criador da primeira grande biblioteca da Europa, era analfabeto

9. Joshua Slocum, o primeiro homem que deu a volta ao mundo à vela sozinho, não sabia nadar.

10. Há no mundo esfomeados e obesos. Os esfomeados alimentam-se de lixo nas lixeiras enquanto os obesos alimentam-se de lixo nos McDonalds. O progresso não pára. Rarotonga é a mais próspera das ilhas Cook, no Pacífico Sul com índices invejáveis de crescimento económico. Não obstante, mais saliente é ainda o crescimento da obesidade entre os jovens. Há 40 anos atrás, 11% do total de jovens eram gordos. Presentemente, são todos.
Similarmente a China, desde que aderiu àquilo que se chama de economia de mercado, viu o seu menu tradicional de arroz e legumes a ser substituído por hamburgers. O governo chinês, perante tais factos, não teve outra solução senão declarar guerra contra a obesidade que se tornou, entretanto, em autêntica epidemia nacional.

11. A mais famosa frase atribuída a D.Quixote ("Ladran, Sancho, la marque que nous montons") não consta na famosa obra literária de Cervantes; também não é Humphrey Bogart que diz a célebre frase que é associada ao filme Casablanca ("Play it again, Sam"); do mesmo modo, e ao contrário do que se julga, Ali Baba não é o chefe dos 40 ladrões, mas antes o seu inimigo; finalmente, Frankenstein não é o monstro que estamos habituados, mas sim o seu inventor involuntário.

12. À primeira vista, parece incompreensível; à segunda, também: onde o progresso é maior, mais horas as pessoas trabalham. A doença resultante do excesso de trabalho leva à morte. Em japonês é chamada a Haroshi. Entretanto, os japoneses estão prestes a incorporar uma outra palavra no dicionário da civilização tecnológica: karojsatsu é o nome dado aos suicidas por hiperactividade, que são cada vez mais frequentes. (…)

Legitimamente perguntar-se-á: para que servem as máquinas se elas não servem para reduzir o trabalho humano? (…)

13. Segundo os evangelhos, o Cristo nasceu quando Herodes era rei. Ora como Herodes morreu 4 anos antes da era cristã, Cristo terá nascido pelo menos 4 anos antes de Cristo. A noite de Natal é celebrada em muitos países com material bélico. Noite de paz, noite de amor: os petardos enlouquecem os cães e deixam surdos os homens e as mulheres de boa vontade. A cruz suástica, que os nazis identificaram com a guerra e a morte, era um símbolo de vida na Mesopotâmia, na Índia e na América.

14. Quando George W. Bush propôs cortar árvores para acabar com os incêndios florestais, ele não foi bem compreendido. O presidente parecia um pouco mais incoerente que o habitual. Mas de facto ele estava a ser consequente com as suas ideias. Existem remédios santos: para acabar com as dores de cabeça, é necessário decapitar o doente, tal como para salvar o povo iraquiano é preciso bombardeá-lo.

15. O mundo é um grande paradoxo que roda no universo imenso. A esta cadência não faltará muito que os proprietários do planeta proíbam a fome e a sede para que o pão e a água não faltem!