quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Anedotas sobre o “desenvolvimento”

Conto breve

Na minha terra levantava-me tranquilamente pela manhã. Não tinha que me preocupar com a roupa, até porque a minha casa estava rodeada pelas minhas chacras e pelos montes. Com toda esta paz, deixava-me ficar admirando toda a natureza que me envolvia enquanto a minha senhora preparava o fogo. Refrescava-me no rio e saía com a canoa para dar uma volta e tentar apanhar alguns peixes.
Sem preocupações com as horas, regressava a casa. A minha senhora recebia-me contente, preparava os pescados, dava-me a minha bebida favorita, e aquecia-me junto do fogo. Conversava-mos eu e a minha senhora, mais os nossos filhos até que a conversa acabasse. Ela ia para a chacra e eu subia, com o meu filho varão, o monte. Andando pelo monte, ensinava-lhe como é a Natureza, a nossa História, tudo isso segundo os ensinamentos dos nossos antepassados. Caçava-mos e regressava-mos contentes a casa com a carne do monte. A minha senhora recebia feliz, depois de se lavar e pintar. De seguida, comíamos até ficarmos satisfeitas.
Se queria descansar, descansava, se não, não o fazia, e ia visitar os vizinhos ou os meus artesanatos. Outras vezes chegavam parentes e tomava-mos bebidas juntos, contava-mos histórias, e se a noite corria bem, acabava-mos a noite a dançar.
Agora, com o desenvolvimento, as coisas mudaram. Há, agora, um horário matinal para trabalhar. Vamos trabalhar no arroz para os campos até muito tarde, e regressamos a casa sem nada. A minha senhora, quando regresso, põem-me um prato em cima da mesa com cara de poucos amigos. Quase não falamos. O meu filho vai à escola onde lhe ensinam coisas. Quando preciso de algo, tenho de ir ao mercado. O pouco que ganho vai todo para os transportes e para os comerciantes.
Quando vou trabalhar levo comigo uma latas de atúm para comer, mas o pior é que me dizeram que esta agricultura que fazemos está a acabar, e não demorarará muito a termos que ir para Lima à procura de comida nas lixeiras.
Quando estive na capital preocupei-me em saber como era a vida dos milionários e disseram-me então que eles tinham também uma casa isolada no meio de lindas paisagens campestres. E que se levantam cedo para admirar o panorama e banharem-se nas suas piscinas. Tomam tranquilamente o pequeno-almoço com a mulher e os filhos, os quais seguem a seguir para um Colégio onde aprendem as coisas que os padres lhes ensinam. O milionário-pai passa o dia a passear pela fazenda, vai à caça ou à pesca e, no seu regresso, encontra a mesa já posta e a sua mulher já preparada para o almoço. Dorme depois do almoço, ou então dedica-se a pintar, entregando-se outras vezes a pequenos entretenimentos. À tardinha sai ao encontro dos amigos nos bares, onde bebem e dançam até quando lhes apetece.
Depois disto pergunto-me: será que vou acabar a recolher comida nas lixeiras para que um ou dois milionários possam fazer a vida que nós fazíamos antes? Será isto “desenvolvimento”?

Andrés Nuningo
(líder do povo Huambisa)

(retirado de Ajoblanco nº 59, Janeiro de 1994)