quinta-feira, 29 de agosto de 2013

A mulher rural é a guardiã dos segredos da terra e do conhecimento agrícola popular

As mulheres rurais, quantas vezes esquecidas e relegadas para um plano secundaríssimo, têm, no entanto, uma importância capital na defesa da terra. Na verdade, é econhecido geralmente que são elas as principais transmissoras do conhecimento tradicional agrícola e os sustentáculos do modo de vida rural. Segundo os dadosda FAO existirão no mundo mais de 1.600 milhões de mulheres rurais, a maior parte delascamponesas, constituindo uma quarta parte da população mundial. Não obstante isso, o patriarcado tecnológico que governa actualmente a terra levou a que as mulheres possuam tão só 2% da propriedade da terra e que somente recebam 1% dos créditos destinados à agricultura. Desde 1970 duplicou o número de mulheres rurais em situação de pobreza. Todavia são elas as grandes depositárias da biodiversidade botânica do mundo, que tão ameaçada está pelas mudanças climáticas,pela desertificação, pela poluição ambiental, os incêndios florestais, o cultivo transgénico, a erosão resultante dos produtos químicos sintéticos, a ditadura das espécies a cultivar, e todo um conjunto de factores que vão até à própria legislação…

Na actualidade, as camponesas do planeta são as responsáveis por metade da produção mundial dos alimentos e produzem entre 60% e 80% dos alimentos dos países chamados eufemisticamente «em vias de desenvolvimento». São elas também as responsáveis pela produção dos principais bens alimentares ( o arroz, o trigo, o milho, que representam até 90% dos alimentos consumidos pelos povos das zonas rurais). A contribuição feminina para a produção de outros produtos, como os legumes e as hortaliças, é ainda maior.

Tais produções, normalmente realizadas em hortas familiares, proporcionam os nutrientes fundamentais para o bem estar familiar.. «Os conhecimentos especializados das mulheres relativamente aos recursos genéticos aplicados à agricultura e à alimentação fazem delas as principais protagonistas do sustento e evolução da variedade genética» reconhece a FAO.

E há que acrescentar que na maioria dos casos, esta produção, realizada esmagadoramente sob forma de agricultura de subsistência, é levada a acabo sem o recurso a produtos químicos, nem sequer biotecnológicos. O que significa que, sem administração de elementos externos, somente as pessoas que têm um conhecimento profundo da fertilidade da terra podem tirar dela o seu máximo aproveitamento. E se nos recordamos que é a terra-mãe nos proporciona os seus frutos, então somos levados a chegar à conclusão que nada melhor que as mães para entenderem o segredo da terra-mãe. São as mulheres camponesas, fiéis representantes da economia doméstica, e responsáveis pela saúde familiar em metade do mundo, que colhem as ervas medicinais ( segundo os dados da ONU , 80% da população mundial ainda utiliza a herborística tradicional), e que se têm mostrado mais resistentes às biotecnologias transgénicas e à agroquímica. Não é por isso que as transnacionais preferem falar com os agricultores, depois de os separar adequadamente do seu meio familiar, vendendo-lhes falsas ilusões. Os livros ecofeministas de Vandana Shiva e de Maria Mies equacionam muito bem toda esta situação através de exemplos e de dados, em especial, na Índia.


A tradição judaico-cristã construiu um protótipo de mulher baseada no sentimentalismo, na ideia de agente reprodutora e no papel de submissa à vontade do homem. Um certo feminismo urbano contestou toda esta tradição mas não realçou o papel das mulheres indígenas e das populações vernáculas, e até de outras minorias, que nunca se sentiram representadas pelos grupos e colectivos feministas europeus e norte-americanos. Só pouco a pouco se tem vindo a reconhecer a enorme capacidade de resistência da mulher rural, intimamente ligada à terra-mãe, detentora dos seus segredos e protectora da saúde alimentar e da natureza, constantemente assediada pelo patriarcado do «homo tecnologicus», as empresas e os governos liderados pelos homens. Ora devemos devolver a agricultura às mulheres, ou dito por outras palavras, a todos aqueles que tenham uma mentalidade que seja típica das mulheres rurais e a mesma maneiras destas tratarem da terra.

(tradução livre e parcial de um texto de Pedro Burruezo, publicado na revista The Ecologist, de Janeiro de 2002, na sua versão castelhana)

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