quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Eco-literacia

(tradução de um texto de Fritjof Capra, publicado no nº 57 de Janeiro/Fevereiro de 2005 da revista Adbusters, journal of the mental environment)

O grande desafio do nosso tempo é criar comunidades sustentáveis – comunidades assim designadas por os seus estilos de vida, as tecnologias que utilizam e as suas instituições sociais respeitarem, apoiarem e cooperarem com as limitadas possibilidades naturais existentes de uma forma de vida sustentável. E não é preciso inventá-las a partir de um qualquer guião, basta descobrir nos ecossistemas naturais essas tais comunidades sustentáveis de plantas, animais e micro-organismos.

O primeiro passo neste caminho é tornarmo-nos ecologicamente literatos, ou seja, compreendermos todos, quais os princípios de organização envolvidos nos ecossistemas e capazes de sustentar a rede da vida.

Nas próximas décadas, dúvidas não há, de que a sobrevivência da humanidade dependerá da nossa literacia ecológica – da nossa capacidade para entender os princípios básicos da ecologia e de viver de acordo com eles.

Literacia ecológica ou ecoliteracia deve cada vez mais tornar-se numa competência crítica dos políticos, dos líderes económicos, e dos profissionais de todas as áreas, e constituir mesmo a parte mais importante de todos os níveis educativos – desde o ensino pré-básico até ao universitário, sem esquecer a educação profissional e contínua ao longo de toda a nossa vida.
Precisamos de ensinar às nossas crianças ( e também aos nossos líderes políticos e empresariais ) os aspectos fundamentais da vida: que o lixo de uma espécie é o alimento de outra espécie; que os ciclos irrigam permanentemente toda a malha de vida; que a energia que alimenta os ciclos ecológicos provêm do sol; que a diversidade assegura a resiliência; que a vida, desde o seu começo há mais de três biliões de anos, não se expandiu pelo planeta por via de um combate mas antes por todo um trabalho de rede ( networking).

A ecoliteracia é, pois, o primeiro passo. O segundo é o ecodesign. Precisamos de aplicar o nosso conhecimento ecológico para redesenhar as nossas tecnologias bem assim as nossas instituições sociais de maneira a cobrir e ligar a distância entre os design humano e os sistemas ecologicamente sustentáveis da natureza.

Seguindo de perto as orientações de David Orr sobre educação ambiental adoptei a definição ecológica de design como «a adaptação dos fluxos de energia e matéria para fins humanos». O ecodesign é então o processo pelo qual os nossos objectivos humanos são cuidadosamente entrelaçados com os padrões e os fluxos do mundo natural. Os princípios de ecodesign reflectem os princípios organizacionais que a natureza se dotou para sustentar toda a rede da vida. A realização do design neste contexto exige assim uma profunda mudança da nossa atitude para com a natureza, mudança tanto sobre o que podemos retirar dela como sobre o que aprender com ela.

Nos últimos anos assistiu-se a uma crescente vaga de práticas e projectos de design com uma forte orientação ecológica. Foi o caso do renascimento mundial da agricultura orgânica, envolvendo tecnologias baseadas em conhecimentos de ecologia mais do que de química ou de engenharia genética, no cultivo dos terrenos, no controle de pesticidas, e na fertilização dos solos, na organização de várias indústrias dentro de uma rede ecológica que permita que os desperdícios e o lixo de umas possam ser os recursos das outras; a transformação de uma economia orientada em função de um produto, para uma outra economia baseada no «service-and-flow», em que os materiais brutos e os componentes técnicos usados pelas industrias circulam continuamente entre produtores e utentes; a construção de edifícios que produzam mais energia do que a que consomem, que não produzam desperdícios e que permanentemente sejam capazes de monitorizar o seu desempenho; a montagem de carros híbridos semi-eléctricos que economizam o seu consumo de energia; o desenvolvimento eficiente de células de hidrogénio que inaugure, em definitivo, a era da chamada «economia de hidrogénio». Estas tecnologias e todos estes projectos incorporam os princípios básicos da ecologia e representam bem a tendência para o design de pequena escala, com preferência para a diversidade, a eficiência energética, e as comunidades vocacionadas para a não-produção de poluição, e o uso intensivo do trabalho.

Para implementar efectivamente estas tecnologias teremos que redesenhar muitas das nossas instituições sociais. Por exemplo, nós precisamos de mudar o nosso sistema fiscal de modo a este deixar de incidir sobre as coisas que valorizamos – empregos, investimentos – para passar a incidir sobre aquilo que todos reconhecemos como prejudicial como seja a poluição e o desperdício de recursos.
Precisamos de acabar com os subsídios perversos entregues à indústrias insustentáveis e altamente prejudiciais, assim como a certas práticas empresariais das grandes corporações. E devemos reconhecer que o crescimento económico ilimitado só pode levar-nos ao desastre pelo que devemos agir sobre as economias em conformidade com tais conclusões.
As tecnologias hoje disponíveis permitem-nos facilmente que a transição para um futuro sustentável já não seja visto como um problema conceptual nem muito menos de carácter técnico. É, antes, e sobretudo, um problema de valores e de vontade política.

Nota: Fritjof Capra é o fundador e director do Center for Ecoliteracy em Berkeley, Califórnia. É também autor de várias obras, entre as quais «The Hidden Connections»